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Imagem Vertigem - Vagões


Foto: José Bassit


I

A dimensão é maior que o tempo na proporção que o espaço é tudo e que o tempo pode ser reduzido a nada. Nem por isso (ou por isso mesmo) o metrô é a nossa única máquina do tempo. Máquina no sentido mesmo de res extensa, não (ainda) de res cogitans, pois estamos longe, muito longe, da inteligência artificial, embora muito próximos, muito mesmo, da propagação ao infinito da internet das coisas. Que assim seja. E quem sabe o metrô poderá, enfim, nos contar suas histórias, por si mesmo, por meio de uma voz própria, metálica e sem delay.


II

O vagão da metromemorabilia nos leva ao futuro e ao passado, como o cinema nos leva ao delírio da imagem estática em movimento e das projeções plausíveis. O metrô nos é apresentado como uma tela em branco. Como uma obra de arte em movimento. Movimento mecânico, máquina involuntária propulsora do cinematógrafo. Cinema performance. Cinema underground. Tempo e memória. Masstransiscope.


III

O metrô chegou à minha porta como parque sórdido e sortido de diversão para jovens delinquentes. Corpos e carros atirados no canteiro de obras. Alagamentos. Piscinas naturais. Metrô – obra futurista e faraônica. Buraco de minhoca cavado pelo tatuzão. Máquina propulsora da transmigração das almas e da transubstanciação do espaço-terra para espaço-memória. Barca de travessia entre o purgatório e o tribunal cósmico. Nau do tempo inaugurada pelo futurismo de Marinetti. Pelas cartas e pelos mapas de Júlio Cortázar.


IV

O metrô desperta o fascínio dos futuristas, porque há nele uma grande carga de aleatoriedade, de associações espontâneas, automáticas. O automatismo que nos une, mas que logo será superado pela vida própria da complexa confusão da multiplicação celular. Transposição entre a superfície e o centro da terra. Abrigos antinucleares de um mundo mobilizado por RNA mensageiros. Achados e perdidos de almas taciturnas. Concha acústica de artistas descamisados. Os duplos e os múltiplos, os metaversos, os multiversos, os mundos bizarros, invertidos e malversados. O metrô já foi de tudo um pouco. O óbvio ululante. O logos. E logo será também o nosso túmulo, em cuja lápide estará escrito: as pessoas nascem, talvez se reproduzam, correm sobre trilhos e morrem. As estações geolocalizáveis roubaram do tempo a primazia da mudança, da sazonalidade. As estações e os vagóes ousam até serem bibliotecas. Une Saison en Enfer.


Ricardo Rodrigues

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