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Imagem Vertigem - Espaços internos


Foto: Guilherme Gomes


A covid é longa. Ela está aqui. Em mim, em você. Nestas imagens. O mundo segue tingido dos lutos em elaboração, dos espaços que insistimos em preencher com frenéticas negações. Na superfície, o fantasma da circulação interrompida, 670 mil mortes, inflamações e vazios.


A ambiguidade dos espaços internos. Pulmões sufocados de fluidos e as lacunas do isolamento. O metrô é uma abertura no subsolo, um ato de extrema coragem. Se deslocar por entre rochas tão sólidas enquanto, aos alvéolos, nem lhes chega o ar.


Vejo aqui fotografias impactantes, de espaços amplos e solitários, figuras em trânsito, com todo seu ser desfigurado. E penso em como os seres são. Sós e fora de foco. Vagando languidamente, comicamente, por entre as estações. Indo, voltando, em lento movimento, talvez para os mesmos lugares de sempre, talvez para novos.


Abrimos a terra, para andar. E, lá em cima, não podemos respirar. A covid é longa e intricada, como as linhas e redes que nos conectam sob o chão. Ela vive aqui, em nossos corpos espaçados pelas perdas, sequelados pelas lembranças que essa doença nos dá. Perdemos um mundo inteiro. Mas a perda requer a pausa. E não podemos parar. Mesmo com vias ensanguentadas de corpos, bloqueadas de dor, fluidos e tecidos em hiper-reação.


Enquanto escrevo, sinto cansaço. Meus brônquios ainda se ressentem da invasão. Minhas emoções impedem que o ar que entra pelas narinas deixe meus pulmões. A falta de ar em excesso de ar, sufocar por não poder expirar. O ar está aprisionado em mim, mas não me traz alívio.


Espaços internos. Olho para os enquadramentos, as capturas preciosas de luz e sombras em corpos imortalizados, imóveis e tão dinâmicos, eternamente contadores de histórias. Olho e consigo respirar. Dos estranhos paradoxos do submundo. Sinto mais ar nas vias desimpedidas dos corredores do metrô, nos acidentais cruzamentos entre as pessoas e sua estrutura concreta, ambiciosa engrenharia, do que ao olhar para minha janela, para o horizonte de etéreo nublar. E digo, contra minha relutante claustrofobia, que há uma verdade em ir mais fundo na terra para nos salvar. Uma espécie de sabedoria do fundo, um saber magmático, poética dos túneis. Talvez tenhamos que cavar mais ainda para que as trocas oxigenantes possam voltar a acontecer, ou acontecer pela primeira vez. Cavar freneticamente, até o outro lado do mundo. Cavar com o ímpeto reverso da nossa negação, como animais ensandecidos, prestes a morrer. Porque estamos morrendo. E olhar para cima pede a queda.


Os espaços internos são o lugar das perdas de lugar, de entremundos. Vivemos aí, agora. Circulando sem forma definida, entre escadas e plataforma e vagões que marcam precisas direções.


Contemplo os corpos aéreos cravados na litosfera, em meio aos refrescantes caminhos de ar que correm lá de cima, ali e nos brônquios, bronquíolos e alvéolos. O mesmo caminho do sangue em vazos desimpedidos. E vejo a beleza de se buscar, na geologia, o ar. Entender que somos seres da terra. Dos espaços e bolsões que formos capazes de cavar. Que as imagens dos exímios fotógrafos do submundo sejam um grande respiro. Um respiro supérfluo e macio. Um suspirar.


Maissa Bakri

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